Os números de casos e mortes do novo coronavírus da última semana epidemiológica concluída trazem a sensação de que o país revive o pico da pandemia, visto em julho. No entanto, a semana marcada por recordes negativos do novo coronavírus e pela volta do registro de mortes diárias no patamar dos milhares expõe o cenário de caos em que a segunda onda da doença ameaça jogar o país.
Especialistas acreditam que esse movimento pode ser mais dramático do que a fase vivenciada entre abril e agosto, já que os brasileiros ainda se preparam para festas de final de ano, que, normalmente, são focos de aglomeração de famílias e de pessoas.

A epidemiologista Ethel Maciel, pós-doutora pela Universidade Johns Hopkins e professora da Universidade Federal do Espírito Santo, ressalta o problema abordado por Massuda. “No início, nós tivemos o cancelamento de todos os procedimentos que não eram emergenciais e quase todos os hospitais ficaram exclusivos para covid-19, mas, agora, não temos esse cenário”, afirma a especialista.
Para ela, a maior preocupação é a velocidade com que a rede de saúde dos estados precisará se preparar para atender à nova alta de infecções “A gente não tem leitos exclusivos para a covid, e é uma preocupação muito grande, porque não sei com qual velocidade os estados vão poder reabrir aqueles que estavam desativados. Então, acho que a gente corre um risco de um colapso iminente”, alerta.
De acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o Brasil tem 17.637 leitos habilitados para pacientes com COVID-19, mas apenas 4.262 destes estão em operação. O Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde estima que um a cada três leitos do país é perdido.
A sensação de estar no “finalzinho da pandemia” é equivocada. O sanitarista Adriano Massuda pontua que o vírus não segue nosso calendário nem uma ordem cronológica. “Parece irrelevante falar isso, mas, o fim do ano não implica o fim do vírus. Muito pelo contrário. As coisas não vão acontecer do dia para noite. É uma boa notícia termos a vacina em fase de testes e algumas populações estarem sendo imunizadas, mas o vírus se mostrou altamente transmissível e o cuidado precisa ser contínuo. O final do ano precisa ser aproveitado com cautela para evitarmos maiores casos de transmissão. O ano de 2021 precisa ser o de derrotar o vírus”, disse.
A falta de medidas mais restritivas para forçar uma diminuição no fluxo de pessoas pode resultar em um cenário ainda mais caótico no início de 2021. “Culturalmente, temos essa tradição de fim de ano em que as pessoas se encontram e celebram, mas, neste momento, é preciso dizer que este Natal e o ano-novo vão ser diferentes. A gente tem que entender que, para termos outras celebrações e outras festas, temos que comemorar estas de forma especial”, indica o epidemiologista Ethel Maciel.
O cuidado é ainda mais necessário, já que a maioria das famílias tem pessoas mais velhas e com comorbidades, que integram grupos de risco. “Precisamos proteger essas pessoas, e o ideal é que reúna apenas aquelas que moram na mesma casa”, indica.
As recomendações do microbiologista Luiz Almeida vão na mesma linha. O especialista aconselha reuniões familiares reduzidas, com preferência em locais abertos, com o uso de máscaras em todos os momentos possíveis, além da distância social e da higienização das mãos.
Almeida faz uma comparação entre não usar medidas preventivas e a chamada roleta-russa. “A cada descuido ou medida que o cidadão deixa de adotar é como se ele colocasse mais uma bala no cartucho e girasse esse tambor para apertar o gatilho. Às vezes, ele não sofre dano algum, mas, à medida que o tempo passa, o risco aumenta”, reitera.